Como o domínio dos gêneros textuais pode facilitar a escrita acadêmica?

A escrita costuma ser um processo doloroso para muitos pós-graduandos, que têm que lidar com frequentes bloqueios que os impedem de avançar. 

Uma forma de produzir textos acadêmicos com mais facilidade é dominar bem os gêneros textuais através dos quais o conhecimento científico é sistematizado e divulgado. 

Para Souza e Bassetto (2014), o domínio das características – estruturais, retóricas, discursivas e pragmáticas – desses gêneros serve de subsídio para a prática da pesquisa, a reflexão crítica e a formação de professores e pesquisadores. 

O ato de pesquisar se relaciona com a inserção dos estudantes na comunidade acadêmica, e essa inserção depende do conhecimento que eles têm de práticas e discursos que ocorrem por meio dos gêneros textuais que circulam dentro dessa comunidade.

Os gêneros textuais acadêmicos englobam formas de expressão orais e escritas. Algumas formas orais são: palestras, apresentações em eventos, defesas de trabalhos de pesquisa, aulas. As escritas incluem resumos, artigos, trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses, ensaios, resenhas, entrevistas, fichamentos, entre outras. 

Antes de falar deles, é preciso ter clareza sobre o que são gêneros textuais. 

Gêneros textuais

De forma geral, podemos dizer que gêneros são formas estruturadas consagradas mais ou menos estáveis que determinam comportamentos linguísticos semelhantes entre os membros de uma comunidade discursiva. É o que defende Araújo (2004) com base em vários autores que são referências nos estudos de gêneros textuais – como Miller, Swales, Bathia, Berkenkotter, Huckin e Martin. 

A partir de Swales (1992), Souza & Basseto (2014) destacam que uma comunidade discursiva:

– compartilha um conjunto de objetivos;

– mantém mecanismos de intercomunicação entre os membros;

– conta com mecanismos de participação social que tenham diferentes propósitos e visem manter o sistema de crenças e valores da comunidade, controlando as possibilidades de inovação e ampliando sua abrangência;

– utiliza e cria gêneros textuais;

– busca desenvolver uma terminologia específica;

– tem um sistema hierárquico que controla inserções, participações e crescimento na comunicação.

Os comportamentos linguísticos determinados pelos gêneros atendem a uma estrutura esquemática que visa a propósitos comunicativos (SWALES, 1990) e organizam eventos comunicativos que ocorrem em uma comunidade discursiva. Essa organização se dá através da imposição de certas restrições léxico-gramaticais. 

Gêneros textuais acadêmicos

A partir dessa definição geral, é possível afirmar que os gêneros textuais acadêmicos são produzidos na comunidade acadêmica, universitária, científica, servindo como meio de comunicação entre seus membros. 

Os membros dessa comunidade são professores, pesquisadores, graduandos, pós-graduandos e compartilham discursos acadêmicos que sustentam sistemas de crenças e valores.

Os gêneros textuais acadêmicos são a materialização desses discursos acadêmicos compartilhados pelos membros da comunidade. Cada gênero tem um propósito comunicativo diferente que, segundo Souza e Bassetto (2014), pode ser:

– divulgar pesquisas em eventos ou em periódicos; 

– defender pesquisas desenvolvidas em iniciação científica, mestrado ou doutorado; 

– obter financiamentos para pesquisas; 

– prestar contas a entidades de fomento; 

– organizar informações durante o processo de pesquisa. 

Dentro das comunidades discursivas, há membros experientes, que têm amplo domínio das estruturas esquemáticas e dos propósitos comunicativos dos gêneros através dos quais se comunicam. Os membros ingressantes passam por um processo de iniciação para se tornarem proficientes no uso desses gêneros.

Como ocorre nas demais comunidades discursivas, a permanência na comunidade acadêmica depende da proficiência dos novos membros no que diz respeito ao domínio das regras sociais e estruturais dos gêneros textuais. Tais regras se baseiam “modelos produzidos pelos membros mais experientes da comunidade” ou em “modelos consagrados pelo uso” (SOUZA; BASSETTO, 2014).

Escrita acadêmica

Um dos passos para adquirir essa proficiência é conhecer características gerais da escrita acadêmica. Os gêneros acadêmicos são diversos, mas apresentam algumas semelhanças entre si. 

De forma geral, a escrita acadêmica se caracteriza por um formalismo, emprega verbos conjugados na primeira pessoa do plural ou na terceira pessoa do singular mais partícula “se”, indicando impessoalidade. O vocabulário deve ser preciso e o registro da língua, padrão. 

Até agora falamos do que seria o estilo do texto acadêmico. Esse é um dos fatores destacados por Mota-Roth e Hendges (2010) que permitem organizar o formato e o conteúdo de um texto acadêmico, facilitando a escrita, a revisão e a edição do texto.

Além do estilo, você deve ter em conta a definição do tópico do texto. A leitura é imprescindível nesse processo. Embora o tópico possa surgir de experiências, estas precisam ser articuladas com bibliografia da área numa abordagem científica.

Tenha cuidado ao selecionar a bibliografia. Certifique-se de que os autores são referências para sua área de estudo, que os artigos foram publicados em periódicos reconhecidos e que as reflexões são recentes e atualizadas.

Outro fator importante para escrever um texto acadêmico é ter clareza sobre quem é o público-alvo que você quer atingir. Caso seja formado por especialistas, você não precisa explicar conceitos nem apresentar autores que são amplamente conhecidos na área, por exemplo. Já se forem leigos, talvez seja importante detalhar mais o conteúdo.

Mota-Roth e Hendges (2010) recomendam ainda que criemos estratégias para apresentar nosso ponto de vista de forma que nosso texto se mostre confiável. Algumas dessas estratégias são: articular o trabalho com a literatura da área; mostrar suas relações com pesquisas já realizadas; deixar claro que o trabalho faz parte de um contexto de investigações; evidenciar limites e falhas da própria pesquisa. 

Você também deve dar atenção para a organização do texto e o domínio dos gêneros. Dessa forma, o leitor encontra facilmente as informações que precisa, antecipando padrões característicos do gênero que estiver lendo. Isso aumenta o grau de confiabilidade do texto, pois demonstra proficiência no que diz respeito aos processos de comunicação que ocorrem dentro da comunidade acadêmica.

A organização se relaciona com o desenvolvimento das informações, que devem conectadas progressivamente, de forma lógica e clara. Nesse caso, é recomendável empregar conectores do discurso, colocando em evidência a relação entre as ideias. Outra maneira de aumentar a coesão é usar elementos anafóricos, que recuperam algo que foi dito antes, e catafóricos, que fazem referência a algo que ainda será mencionado. 

Por último, Mota-Roth e Hendges (2010) trazem a revisão como fator que colabora com a qualidade dos textos acadêmicos. Quando estamos muito próximos de um texto, acabamos não enxergando seus problemas. Por isso, afaste-se dele por uns dias e depois leia-o novamente. A leitura de outra pessoa também é importante na etapa de revisão, principalmente se você ainda não está familiarizado com a escrita acadêmica.

Em todo o processo de escrita, você não deve perder de vista qual é o propósito comunicativo do texto; lembrando que isso se relaciona com o gênero textual adotado. Vejamos então quais são as principais características de dois dos principais gêneros textuais empregados nos eventos comunicativos acadêmicos: o resumo e o artigo.

Resumo

Apresenta de forma sucinta as informações mais importantes de um trabalho acadêmico de maior extensão. Seu público-alvo normalmente é composto por membros da própria comunidade acadêmica, universitária, científica, mas também pode incluir pessoas externas a ela que tenham interesse no tema.

É através do resumo que o leitor decide se vai ou não ler o texto completo, seja ele artigo, monografia, dissertação, tese… Por isso, deve ser atrativo, conquistar o leitor e fornecer as informações mais importantes do trabalho. 

Mota-Roth e Hendges (2010) sugerem que os resumos contenham a justificativa, a perspectiva teórica, a metodologia, os resultados e a conclusão do trabalho. Dessa forma, propõem que seja escrito respondendo às seguintes questões: 

– por que se realizou o estudo? 

– que conceitos são centrais no trabalho? 

– como se realizou o estudo? 

– que resultados foram obtidos? 

– qual a significação desses resultados para área/disciplina?

Já a Associação Brasileira de Normas Técnicas estabelece que o resumo deve apresentar os objetivos do trabalho, os métodos utilizados, os resultados e as principais conclusões a que o pesquisador chegou. 

Isso deve ser feito de forma coerente e coesa num único parágrafo. As ideias devem ser expressas em frases concisas e afirmativas, empregando verbo na voz ativa e na terceira pessoa do singular.  

Ainda de acordo com a ABNT, a extensão dos resumos deve ser de 150 a 500 palavras no caso de monografias, dissertações, teses, relatórios. Resumos de trabalhos menores como artigos devem ter de 100 a 250 palavras. No caso de textos ainda mais breves, sugere-se resumos de 50 a 100 palavras.

Artigo

O artigo é, provavelmente, o gênero mais empregado na comunidade acadêmica, universitária, científica para produzir e divulgar conhecimentos oriundos de pesquisas. Costuma ser escrito visando publicação em periódicos científicos, anais de eventos ou livros.

Mota-Roth e Hendges (2010) mencionam dois tipos de artigo: o experimental e o de revisão. O primeiro divulga, discute ou apresenta dados referentes a um projeto de pesquisa sobre determinado problema. O segundo apresenta o estado da arte de um tópico de uma área do conhecimento. O estado da arte é uma revisão bibliográfica sobre discussões e estudos já realizados acerca do tema ou problema que se vai pesquisar.

De certa forma, um artigo pode ser pensado com uma pesquisa em pequena escala, pois conta com processos muito semelhantes aos aplicados em pesquisas mais amplas. Isso fica evidente quando pensamos sobre as competências que autores de artigos devem ter. 

Segundo Mota-Roth e Hendges (2010), escrever um artigo requer as seguintes habilidades: 

– selecionar bibliografia relevante para abordar o tema tratado; 

– refletir sobre estudos prévios relacionados com o que se deseja estudar; 

– vislumbrar um problema que ainda demande discussões; 

– desenvolver uma abordagem para tratar esse problema; 

– selecionar e analisar dados e/ou fontes que representem um universo sobre o qual se queira fazer generalizações; 

– mostrar e discutir os resultados dessa análise; 

– apresentar conclusões do estudo generalizando dos resultados, relacionando essas generalizações com pesquisas realizadas anteriormente na área, formulando conceitos e/ou apontando desdobramentos teóricos.

Seguindo esses processos, os artigos devem ser escritos de maneira coerente, quer dizer, suas partes devem ser correlacionadas e apresentadas de forma contínua. Em outras palavras, os artigos devem ser sistemáticos, tal como apontado por Scheibel e Vaisz (2006). 

Essas autoras destacam ainda que os artigos devem ser criteriosos, ou seja, fundamentar-se em critérios de validação científica e apresentar uma conceituação correta dos termos. É preciso que fique claro como, quando e onde foram obtidos os dados empregados na argumentação do texto. 

De acordo com Scheibel e Vaisz (2006, p. 60), os artigos devem também ser embasados – todas as afirmações que neles constam precisam “estar sustentadas e inter-relacionadas, bem como serem coerentes com um referencial teórico consistente.”

A linguagem empregada nos artigos tem que ser coerente, objetiva, precisa, clara e específica, bem como atender as normas da escrita padrão. Os verbais conjugados na primeira pessoa do plural ou na terceira pessoa do singular costumam ser os mais aceitos pela comunidade científica, pois preservam a objetividade. Porém, algumas áreas já aceitam o uso da primeira pessoa do singular em casos específicos.

Em termos de estrutura, os artigos contêm elementos pré-textuais (título, subtítulo, resumo e palavras-chave), textuais (introdução, desenvolvimento e conclusão) e pós-textuais (referências, apêndices e anexos). O desenvolvimento pode ser organizado em torno dos seguintes tópicos: métodos, resultados e discussão.

Os entretítulos que dividem um artigo em partes não precisam conter exatamente essas palavras ou expressões. Tente ser mais criativo. Relacione-os com o tema abordado e o referencial teórico adotado, por exemplo.

A extensão de um artigo costuma ser variável, mas tende a ser de 10 a 20 páginas, incluindo os elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais.

Referências

ARAÚJO, Antonia Dilamar. Gêneros textuais acadêmicos: reflexões sobre metodologias de investigação. Revista de Letras, Fortaleza, v. ½, n. 26, p. 21-27, jan./dez. 2004. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/revletras/article/view/2261. Acesso em: 01 jul. 2020.

MOTTA-ROTH, Desirée; HENDGES, Graciela Rabuske. Produção textual na

universidade. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

SCHEIBEL, Maria Fani; VAISZ, Marinice Langaro (Orgs.). Artigo científico: percorrendo caminhos de sua elaboração. Canoas: Editora ULBRA, 2006. 

SOUZA, Micheli Gomes de; BASSETO, Lívia Maria Turra. Os processos de apropriação de gêneros acadêmicos (escritos) por graduandos em letras e as possíveis implicações para a formação de professores/pesquisadores. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 14, n. 1, Jan./Mar. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1984-63982014000100005&script=sci_arttext#:~:text=Os%20g%C3%AAneros%20acad%C3%AAmicos%20s%C3%A3o%20entendidos,resumo%20de%20ideias%2C%20relat%C3%B3rios%20de. Acesso em: 15 jul. 2020.

SWALES, John Malcolm. Genre Analysis: English in academic and research  settings. Cambridge: Cambridge University Press,1990.

SWALES, John Malcolm. Re-thinking genre: another look at discourse community effects. In: SWALES, John Malcolm. Re-thinking Genre Colloquium. Ottawa: Carleton University, 1992. 



Sobre a Autora Dr. Ivane Almeida Duvoisin

Durante mais de trinta anos de experiência como professora universitária, Ivane Duvoisin, idealizadora do Me Orienta Academy, percebeu a dificuldade dos estudantes em lidar com a pressão do meio acadêmico e sentiu na pele o desafio que é dar conta das demandas que os profissionais têm nesse meio.

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