Como os hábitos afetam o desempenho acadêmico?

Certo dia conversava com uma colega que contava quão doloroso foi seu processo de escrita da tese. Ela não fazia ideia do que significava fazer doutorado, achava que fosse o mesmo que cursar um mestrado.

Como tirou de letra a escrita da dissertação, pensou que seria igual com a tese. Ao se deparar com a necessidade de criar algo inédito, entrou em pânico e não conseguiu avançar na pesquisa, ficou bloqueada pelo sentimento de incapacidade e pelo medo de fracassar.

O que aconteceu com ela não é um caso isolado. Tenho me deparado com muitos estudantes depressivos, com alto grau de ansiedade por terem sido pegos de surpresa pelo nível de exigência da academia.

A cada nível escolar conquistado, aumenta a necessidade de independência e pró-atividade dos estudantes. Quando estão na educação básica, os alunos dependem bastante de seus professores e de seus pais, que sempre os estão orientando e lhes dizendo por onde devem andar ou como devem agir ou se comportar, não é mesmo?

Quando chegam à universidade, os estudantes têm maior autonomia, porém continuam reproduzindo, nas provas, os exercícios passados em aula; dificilmente lhes exigem criatividade ou senso crítico.

Então, chega a pós-graduação e, com ela, a exigência de maior autonomia, pró-atividade e criatividade. Aqueles que não se preparam são pegos desprevenidos por essas novas capacidades e habilidades requeridas na formação de pesquisadores. Isso faz muitos desistirem, outros adoecerem e alguns sobreviverem.

Fazer pós-graduação implica em mudanças de hábitos. Estudando sobre como os hábitos funcionam e como podem ser transformados, compreendi de que maneira eles impactam nossa produtividade, saúde e estabilidade.

Ao tentar observar a rotina dos pós-graduandos, percebi que muitos perdem tempo devido a distrações como: olhar constantemente o celular para verificar mensagens, não saber dizer não às demandas familiares e/ou sociais, não estabelecer uma rotina de leituras, não organizar uma agenda, não manter o foco, entre tantas outras.

O comportamento de olhar o celular a cada sinal sonoro ou luminoso tornou-se um hábito pernicioso que compromete, a todo o instante, o foco no que é importante. Esses sinais funcionam como gatilho, recompensando com a satisfação de conversar com amigos e distrair a mente de atividades menos prazerosas. Esse comportamento, entre vários outros, alimenta a autossabotagem e a procrastinação, tão presentes na vida dos acadêmicos.

Para conseguir fazer pós-graduação, é necessário compreender o processo, planejar o caminho a ser percorrido e mudar hábitos improdutivos.

Sim, mudar hábitos é possível quando compreendemos como eles se instalam em nosso cérebro. Se você entende o loop do hábito, pode estabelecer novas rotinas até que um padrão seja criado e passe a se desenrolar automaticamente.

É essa falta de clareza e de preparo que tem pressionado os estudantes no final da pós-graduação, gerando ansiedade e estresse. A compreensão do processo é um dos recursos necessários para superar dificuldades, porém, não é suficiente. É preciso entender ainda como funciona o mecanismo automático da formação do hábito para poder intervir nele.

A fim de prevenir esses problemas e trazer maiores informações para aqueles que desejam seguir a vida acadêmica, é que escrevo a respeito da importância da mudança dos hábitos.

Charles Duhigg, autor do livro O poder do Hábito, fala que o segredo para se tornar mais produtivo e ter sucesso em qualquer área da vida é entender como os hábitos funcionam e trabalhar para transformá-los.

O QUE SÃO HÁBITOS E COMO ELES SE FORMAM?

Hábitos são padrões comportamentais automáticos que se imprimem em nossas mentes. Esses padrões são consequência natural da nossa neurologia, cujo cérebro tenta transformar quase tudo em rotina para poupar esforços.

Isso é que nos possibilita aprender a andar, dirigir, realizar uma série de atividades automaticamente, sem precisar pensar. Esse processo em que o cérebro converte uma sequência de ações numa rotina automática dando origem aos hábitos é denominado chunking.

O cérebro automatiza as rotinas, em blocos, para poder poupar energia e concentrá-la em atividades inventivas. Quando o hábito dispara, outras regiões do cérebro param de participar da tomada de decisões.

Essas descobertas ocorreram somente no final do século passado e início deste quando neurologistas, psicólogos e sociólogos começaram a entender como os hábitos funcionam e como podemos mudá-los.

Eles descobriram que os gânglios basais são os responsáveis por armazenar os padrões de rotinas e pelo desenvolvimento de um sistema inteligente que determina quando os hábitos devem assumir o comando.

Segundo Duhigg, esse processo consiste em um loop – loop do hábito – formado por três estágios:

  • O gatilho ou deixa – que indica qual hábito deve ser acionado e estimula o cérebro a entrar no modo automático.
  • A rotina – que pode ser física, mental ou emocional.
  • A recompensa ou satisfação de um anseio – que faz com que o cérebro avalie se vale a pena memorizar o loop para ser utilizado no futuro.

Com a repetição do loop, o gatilho e a recompensa se entrelaçam de tal maneira que surge um poderoso senso de antecipação e desejo. É através desse mecanismo, que alimenta um vício, que um hábito se instala.

Para mudar um hábito é necessária uma forte tomada de decisão, esforço e resiliência. Ann Graybiel, cientista do Massachusetts Institute of Technology (MIT), pesquisadora dos comportamentos, afirma que os hábitos nunca desaparecem de fato e que isso é uma bênção porque uma vez instalados hábitos como andar de bicicleta nunca mais os esquecemos.

O problema, diz ela, é que o nosso cérebro não sabe a diferença entre hábitos bons e ruins, ele apenas está sujeito aos gatilhos e recompensas. Por isso é tão difícil deixar de fumar ou de beber. Para tal, é necessária vigilância permanente que possibilite quebrar o loop do hábito.

COMO QUEBRAR O LOOP DO HÁBITO?

Pesquisadores tais como Robinson & Berridge (1993); Berridge & Kringelbach (2006); Finlay, Trafimow & Villarreal (2002); e Aarts, Paulussen & Schaalma (1997) descobriram que, para driblar um hábito, é necessário identificar o anseio que está acionando o comportamento e encontrar um gatilho que acione uma nova rotina em busca da satisfação do anseio.

Compreender o loop do hábito, saber como intervir para driblar o mecanismo e poder criar hábitos mais saudáveis foi fundamental para poder ajudar os pós-graduandos a lidarem com a autossabotagem e a procrastinação.

Durante um processo de coaching de uma doutoranda que havia travado no processo da escrita, identifiquei o mecanismo sabotador que fazia com que ela não escrevesse.

Já havia tentado várias técnicas para fazê-la deixar de procrastinar, mas nada resolveu até que, repentinamente, ela falou: “Meu problema é que preciso ter a casa toda em ordem para conseguir sentar e produzir. Com isso, acabo me distraindo arrumando gavetas e armários, o tempo passa e, quando vejo, já é noite”.

A escuta atenta ao que a estudante falava me possibilitou identificar o gatilho (o ambiente), o anseio de ao final obter algo que dê prazer e a recompensa (o prazer de ver a casa organizada).

Para mudar esse hábito, era preciso interferir no loop. Para isso, sugeri que ela fosse escrever a tese em outro local. Ela começou a ir à universidade; o que não resolveu o problema e acabou, ainda, gerando outro: o aumento de peso. Em pouco tempo, ela vivia no bar tomando cafezinho e comendo chocolate.

A problemática residia no anseio por prazer e não propriamente na casa arrumada. Descobri que a escrita era um processo doloroso, por isso ela sempre procurava algo que lhe retirasse da dor e lhe proporcionasse prazer.

A partir daí, procurei fazer com que ela sentisse prazer na escrita. Propus que encarasse a escrita como um jogo, como peças de um logo á serem encaixadas. Para maior entendimento da ideia, sugeri o método Puzzle (disponível no e-book Você foi Pego pela Síndrome do papel em Branco?), a fim de substituir a rotina de fuga pela busca do prazer existente no jogo. Foi assim que a doutoranda venceu a procrastinação e conseguiu escrever e qualificar sua tese.

Espero que o relato sobre a situação dessa pós-graduanda ajude você a identificar mecanismos de hábitos que possam estar lhe causando bloqueios e impedindo que você avance nos estudos. Assim, você pode criar hábitos mais saudáveis para se tornar pró-ativo e obter sucesso nas atividades acadêmicas.

Caso você venha a enfrentar situação semelhante ou esteja vivenciando essa problemática e não esteja conseguindo superá-la sozinha, entre em contato conosco, escreva aqui, abaixo, nos comentários, quais são as suas dificuldades para que possamos lhe ajudar.

Referências Bibliográficas

AARTS, Henk. PAULUSSEN, Theo & SHAALMA, Herman. Physical Exercise Habit: On the Conceptualization and Formation of Habitual Health Behaviours. In Health Education Research 12 (1997): 263-74. Disponível em: https://pure.tue.nl/ws/files/1481667/617400.pdf. Acesso em: 20/06/2019.

BERRIDGE, Kent C. & KRINGELBACH, Morten L. Affective Neuroscience of Pleasure: Reward in Humans and animals. In Psychopharmacology 199 (2010) p. 457-80. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3004012/. Acesso em: 24/06/2019

_______________ ROBINSON, Terry E. The Neural Basis of Drug Craving: An Incentive Sensitization Theory of Addiction. In Brain Research Reviwes 18 (1993) p. 247-91. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/016501739390013P. Acesso em: 20/06/2019

COVEY, Stephen R. Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes. 30ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2007.

DUHIGG, Charles. O poder do hábito: Por que fazemos o que fazemos na vida e nos negócios. 29ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017.

FINLAY, Krystina A. TRAFIMOW, David & VILLARREAL, Aimee. Predicting Exercise and Health Behavioral Intentions: Attitudes, Subjective Norms, and Other Behavioral Determinants. In Jornal of Applied Social Psychology 32 (2002) p. 342-56. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1559-1816.2002.tb00219.x. Acesso em: 20/06/2019.

Sobre a Autora Dr. Ivane Almeida Duvoisin

Durante mais de trinta anos de experiência como professora universitária, Ivane Duvoisin, idealizadora do Me Orienta Academy, percebeu a dificuldade dos estudantes em lidar com a pressão do meio acadêmico e sentiu na pele o desafio que é dar conta das demandas que os profissionais têm nesse meio.

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