Curadoria e gamificação na escrita acadêmica

O ambiente acadêmico se destaca por ser um local onde se instiga o aluno a superar a reprodução e tornar-se um produtor de conhecimento.

O estudante que se aventura a fazer uma pós-graduação geralmente sabe, de antemão, que terá de produzir artigos, ensaios monográficos, dissertação ou tese.

A escrita acadêmica se diferencia das outras modalidades de escrita. Possui um estilo argumentativo e se baseia em leituras do campo teórico com o qual o leitor está familiarizado. Portanto, para escrever bem, é preciso ler, interpretar e compreender o que se lê.

Os estudantes, ao iniciarem a pesquisa, em geral têm um caderno de notas do pesquisador, e recomenda-se que façam fichamentos e sínteses das leituras que realizam.

Para escrever um texto argumentativo, é preciso ter repertório – um conjunto de textos teóricos que embasam o argumento. Mas como fazer isso de maneira consistente e fluida?

O trabalho do pesquisador é complexo, pois desenvolver conteúdo acadêmico exige muita organização e disciplina.

O acadêmico inicia sua pesquisa buscando e investigando fontes de cunho científico que considera importantes como fundamentação teórica para um argumento sólido e coerente.

Muitas vezes, sente-se desorientado no emaranhado de fontes de informações. Com isso, perde um tempo precioso por não ter se organizado desde o início.

Há aqueles que ingressam num curso com desconhecimento da necessidade de autonomia nos estudos, na leitura, na escrita e na comunicação, o que é fundamental para o avanço da pesquisa.

Realiza várias leituras, fichamentos e resumos, mas, na hora de escrever a monografia, dissertação ou tese, não consegue construir uma argumentação consistente.

Este é um dos momentos mais tensos da trajetória dos pós-graduandos. Nele, muitos se estressam, ficam bloqueados e acabam prejudicando o andamento da pesquisa.

Temos visto muitos trabalhos que não trazem novidade, nem colocam a autoria do pesquisador em evidência. São simples reproduções de ideias já existentes, quer dizer, um copia e cola de reflexões elaboradas por autores que integram as referências.

A escrita nem sempre começa com uma estrutura textual pré-definida, pois é um processo criativo, muitas vezes, caótico. As ideias surgem de maneira espontânea, e é preciso deixar que emerjam livremente para não bloquear a criatividade.

É nessa fase que propomos que sejam incorporadas técnicas de gamificação. Vamos desmontar o texto e remontá-lo como se fosse um quebra-cabeças para dar coerência à escrita, ajustando-a conforme as normas formais da língua.

Nesses casos, a preocupação com o aspecto formal deve vir num segundo momento, pois dificilmente um texto nasce pronto, com a coerência e a coesão exigidas no trabalho acadêmico.

Escrever é como montar um quebra-cabeças, combinando, resgatando, descobrindo, trocando peças de lugar e recriando pelo encaixe de ideias próprias do escritor-pesquisador e de suas referências.

Portanto, escolhemos o puzzle como metáfora para representar a escrita e utilizamos o processo de curadoria e gamificação para a montagem do trabalho acadêmico.

O artigo tem a finalidade de mostrar como elaborar uma escrita autoral, argumentativa e bem estruturada, orientando sobre como proceder em cada uma destas fases: curadoria, escrita criativa e gamificação.

Ele está organizado em quatro sessões:

1) curadoria e gamificação;

2) documentação e organização das informações;

3) potencial dos softwares para a pesquisa;

4) escrita criativa: montagem do puzzle.

1. CURADORIA E GAMIFICAÇÃO

Defendemos a curadoria como metodologia para a elaboração do conhecimento científico por esta ser realizada em quatro etapas: diagnóstico, exploração, elaboração e criação. Etapas essas que também fazem parte do processo da pesquisa.

Diagnosticar é descobrir necessidades de conhecimento, o que ocorre quando o pesquisador busca argumentos para justificar a relevância da sua pesquisa.

Explorar é procurar diversas fontes nos repositórios de pesquisa, ou seja, é o levantamento diagnóstico para saber o que já existe de produção na área. Isso é feito para evitar a realização de pesquisas cujo resultado já é conhecido.

Elaborar é cruzar as informações, buscando o que é relevante e o que dá sustentação ao argumento do pesquisador.

Criar é o ato de construir um novo conhecimento a partir do cruzamento das diversas informações, é a própria elaboração da escrita acadêmica.

Para que se consiga elaborar a escrita a partir do processo de curadoria, é importante que se tenha um método que ajude na escolha e no encaixe das peças que formarão a imagem do puzzle, ou seja, um texto coerente.

Primeiramente, é preciso organizar as informações, mantendo-as em um único local ‒ inclusive os fichamentos, os resumos e as notas do pesquisador. Saber organizar as fontes desde o início facilita a vida do estudante quando for escrever.

Sugerimos a utilização de softwares que auxiliam tanto na organização das fontes quanto na marcação das partes importantes, por intermédio de tags que ajudam na busca das informações.

Há poucas décadas, as fontes consultadas eram organizadas em fichários. Atualmente, contamos com bancos digitais para armazenar esses dados. Utilizar esses recursos evita encher os livros de post-its e depois ter que retomar a leitura para encontrar algo que foi lido e que seria perfeito para reforçar um argumento.

São inegáveis as transformações que as tecnologias da informação e comunicação promoveram, tanto na metodologia das ciências e no desenvolvimento de trabalhos científicos quanto na maneira como pensamos.

João Mattar (2017) sugere que a escrita inicie de imediato, que não se leia primeiramente para escrever apenas num segundo momento. O autor propõe que as duas atividades sejam feitas simultaneamente, criando um arquivo no Word com uma estrutura de sumário.

No entanto, deve-se tomar cuidado para que a criação de uma estrutura, a priori, não engesse o trabalho científico em torno de tópicos que são previamente conhecidos pelo pesquisador, dificultando visualizar outras possibilidades.

A curadoria e a gamificação permitem a emergência do novo a partir do já existente. É como montar algo inédito pela combinação de várias peças de um Lego.

Etimologicamente, “curadoria” significa “atenção”, “cuidado”. A curadoria é aplicável à pesquisa porque esta exige que o pesquisador esteja atento a tudo o que possa contribuir com a defesa do argumento.

Segundo Alexandra Caetano (2016-2018), fazer curadoria é combinar, resgatar, descobrir, trocar e recriar. Esses são precisamente os passos que realizamos no processo da pesquisa.

A autoria emerge da habilidade do pesquisador em vislumbrar um objeto novo a partir da montagem e remontagem de fragmentos de textos desconectados provenientes de diversas fontes que, combinados entre si, problematizam e fortalecem o argumento do autor.

A primeira fase da pesquisa é a coleta de informações, que devem ser organizadas de maneira sistemática para serem facilmente localizadas no momento da escrita.

Crie uma pasta em seu computador e, também, na nuvem (Google Drive, OneDrive, Dropbox…). Isso vai evitar que você perca dados caso haja uma pane em seu computador. Seja precavido!

2. DOCUMENTAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DAS INFORMAÇÕES

Ao iniciar a pesquisa, procure informações fidedignas, ou seja, aquelas escritas por autores renomados na área ou que estão armazenadas em repositórios científicos de instituições como universidades ou órgãos oficiais, tais como IBGE, Ministério da Saúde, Ministério da Educação, entre outros.

Esta primeira fase da pesquisa é exploratória. Nela, você vai fazer um levantamento das pesquisas que já existem sobre o assunto pelo qual você se interessa.

Isso é importante para saber se o tema já não foi esgotado ou, caso contrário, descobrir vieses que ainda possibilitam discussões. Assim, tal averiguação contribui para ajustar o foco da pesquisa e estabelecer seus objetivos.

Durante esse levantamento, você pode elaborar uma tabela que contenha os títulos dos trabalhos, os nomes do autores, os endereços eletrônicos onde se encontram disponíveis e as datas de acesso.

Leia atentamente o resumo de cada trabalho e avalie se está conectado com sua investigação. Faça uma síntese para registrar argumentos ou conceitos que lhe interessem.

Existem softwares que auxiliam a catalogar fontes bibliográficas, realizar fichamentos elaborar resumos e analisar dados, tais como Mendeley, Zotero, EndNote, Atlas-TI, NVivo, Iramutec, Sobek, entre outros.

Escolha um deles, de preferência aquele ao qual você se adaptar melhor, e importe artigos, livros, teses e dados que considere fundamentais para sua pesquisa.

Dentre os softwares proprietários, o Atlas-TI é um dos mais acessíveis financeiramente. Caso você não possa fazer esse investimento, averigue se sua universidade não oferece acesso gratuito a algum desses programas.

Outra opção é recorrer a softwares livres, como o Sobek, ou a versões mais antigas de softwares proprietários que sejam disponibilizadas gratuitamente. O Atlas-TI e o NVivo, por exemplo, costumam oferecer esse tipo de acesso.

Depois de escolher o programa, realize os fichamentos diretamente nele, o que pode ser feito com marcações de tags e palavras chaves. Isso vai facilitar sua vida na hora da escrita, pois você só precisará copiar e colar as partes fichadas quando precisar fazer uma citação.

O trabalho do pesquisador que problematiza a partir de seu acervo e inventa procurando nós de relações que fortaleçam argumentos é semelhante ao de um bricoleur.

Escrever uma monografia, dissertação ou tese é construir argumentos a partir dos referenciais lidos e estudados. Quando o repertório é muito vasto, a dificuldade de estabelecer essas relações aumenta, daí a importância de softwares que ajudem a estabelecê-las.

3. POTENCIAL DOS SOFTWARES PARA A PESQUISA

A pesquisa científica, impactada pelas descobertas na área da computação, exige novas competências dos pesquisadores, que precisam dominar softwares com potência para manipular grandes quantidades de informação e gerar novos nós de relacionamentos entre os dados.

Não é mais possível pensar a ciência, a pesquisa e a metodologia científica sem discutir os recursos das Tecnologias da Informação e Comunicação que revolucionaram os métodos das ciências.

Para além da sua apropriação e do seu uso, o advento da informática e das tecnologias digitais provoca uma revisão dos conceitos de razão, pensamento e inteligência.

A inteligência é definida por Mattar (2017) como a habilidade para estabelecer conexões entre informações e traçar relações, abandonando aquele entendimento ultrapassado que considera a inteligência como informação armazenada.

O desafio do pesquisador é, além de organizar o tempo e o processo da pesquisa, saber lidar com a enorme quantidade de informações, com a volatilidade do conhecimento, que se alastra rápida e desordenadamente, e se apropriar dos recursos tecnológicos que são disponibilizados, para auxiliar no estabelecimento de relações.

Ainda bem que a área computacional também avança, brindando-nos com softwares altamente eficazes em gestão de projetos.

Infelizmente, ainda há pesquisas que são processadas de maneira manual e isso ocorre pelo desconhecimento do potencial dos softwares existentes.

Softwares como NVivo, Atlas-TI, Sobek e Iramutec, além da compatibilidade com arquivos de textos com extensões diversas, permitem a importação de conteúdos de bancos de dados, planilhas e organizadores de fontes bibliográficas, tais como EndNote, Zotero, Mendeley, entre outros.

4. ESCRITA CRIATIVA: MONTAGEM DO PUZZLE

Para realizar o exercício da montagem do puzzle, utilizaremos como referência, o texto constante no e-book Você foi pego pela síndrome do papel em branco? Aprenda a escrever dissertações, teses e artigos de maneira fácil, rápida e sem complicações.

O texto abaixo foi escrito espontaneamente, apresentando as ideias conforme surgem na mente, sem qualquer preocupação com aspectos formais. Está organizado em um único parágrafo, no qual diversas informações aparecem misturadas.

Eles queriam construir ao lado do campinho de futebol um quiosque de Educação Ambiental para ter um espaço para atividades como estas que nós vimos e para ter um lugar onde eles pudessem juntar o lixo reciclável do bairro para vender periodicamente e com o recurso adquirido na venda deste material comprar material esportivo para eles usarem no bairro, para tanto pediram a nossa ajuda para montar um projeto que eles pretendem apresentar a Secretaria Municipal de Educação Cultura e Desporto, caso a Secretaria não tenha recursos para construir este quiosque eles pretendem apresentar na Assembleia do Orçamento Participativo em parceria com a Associação de Moradores do bairro, então eles convidaram o Presidente da Associação de Moradores para participar do final de nosso encontro, onde o mesmo se comprometeu a ser parceiro das crianças e a reivindicar o quiosque juntamente a elas na Assembleia do Orçamento Participativo. A ideia das crianças é de limpar o bairro e ao mesmo tempo juntar dinheiro para comprar material esportivo e melhorar o campinho de futebol, que hoje fica em uma área alagadiça e mesmo que haja muitos dias sem chuva metade do campo fica alagado e eles jogam futebol dentro da água.

Trabalhe o texto da seguinte forma:

  • Desmonte-o em parte menores que contenham um sentido de comunicação.
  • Escolha cores e palavras chaves para caracterizar cada parágrafo, criando unidades de significado (aquelas que denotem o mesmo sentido).
  • Monte o puzzle agrupando todas as peças de mesma cor (elas contêm as unidades de significados semelhantes).
  • Reescreva o parágrafo juntando as peças de cores semelhantes e ajustando o conteúdo.

Após a montagem do puzzle e reestruturação, o texto fica assim:

As crianças do bairro queriam reformar o campo de futebol que ficava em área alagadiça, metade do campo ficava alagado por vários dias e eles tinham que jogar futebol dentro d’água. Eles pensaram em construir um quiosque de Educação Ambiental para terem um lugar para fazer a reciclagem do lixo.

Eles pretendem vender o lixo reciclado e, com o dinheiro, arrumar o campo e comprar material esportivo. Mas, para isso, é preciso montar projeto para apresentar à Secretaria Municipal de Educação Cultura e Desporto.

Eles precisavam de ajuda; para tanto, resolveram promover um encontro para conseguirem parceiros. Convidaram o Presidente da Associação de moradores do bairro, que ao final da reunião prometeu intermediar junto à prefeitura para a construção do quiosque.

Ficaram sabendo que, se a prefeitura não tiver recurso de imediato, uma saída é apresentar o projeto na Assembleia do Orçamento Participativo em parceria com a Associação de Moradores do bairro.

Para maiores detalhes sobre esta montagem e reestruturação do texto, consulte o e-book.

Considerações

O texto traz questões relevantes para quem deseja se aventurar na pesquisa acadêmica:

  • Mostramos o quanto o processo da escrita pode ser prazeroso se for encarado como um desafio, como ocorre com os jogos por isso transformamos o texto em um puzzle.
  • Apresentamos as técnicas de curadoria e gamificação para potencializar a pesquisa.
  • Falamos da importância de organizar fontes e dados desde o início da investigação e apresentamos alguns softwares que ajudam nesta tarefa.

Não pretendemos minimizar o esforço e a complexidade da escrita acadêmica, mas estimular os estudantes a encararem o processo como um desafio a ser vencido, como acontece num jogo. Dessa forma, o caminho, como certeza, se torna mais leve e menos doloroso.

Venha conversar mais sobre esse assunto no projeto MeOrientaAcademy.

Espero você!

Referências Bibliográficas

CAETANO, Alexandra. Curadoria de Conteúdos. Negócios Digitais na Prática, 2016-2018. Disponível em: https://biblioteca.ndnp.com.br Acesso em: 26 dez. 2018.

LÔBO, Mateus. O que é e por que você deve fazer curadoria de conteúdo. Disponível em: https://marketingcomdigital.com.br/curadoria-conteudo Acesso em: 26 dez. 2018.

MATTAR, João. Metodologia Científica na Era Digital. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

GONÇALVES, Bruna Beza da Silva. Softwares de Apoio à Pesquisa Científica: levantamento e análise de características. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Tecnologias da Informação e da Comunicação). Universidade Federal de Santa Catarina, Araranguá 2016. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/165459/SOFTWARES%20DE%20APOIO%20%C3%80%20PESQUISA%20CIENT%C3%8DFICA.pdf?sequence=1 Acesso em: 05 jan. 2019.

Sobre a Autora Dr. Ivane Almeida Duvoisin

Durante mais de trinta anos de experiência como professora universitária, Ivane Duvoisin, idealizadora do Me Orienta Academy, percebeu a dificuldade dos estudantes em lidar com a pressão do meio acadêmico e sentiu na pele o desafio que é dar conta das demandas que os profissionais têm nesse meio.

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